Às vezes sentimos raiva em nossas vidas. É uma experiência psicológica que faz parte do nosso espectro emocional enquanto humanos. Pode ser raiva de uma pessoa, de uma situação, de nós mesmos ou simplesmente raiva inconsciente que desponta e aparece sem motivo nenhum aparente. Geralmente a experiência da raiva, quando atinge níveis de descontrole e não recebe atenção devida, culmina com uma explosão ou com algum tipo de descarga energética no nosso aparato mental, emocional e físico, ou pode até mesmo afetar diretamente outras pessoas, o que certamente pode provocar danos e complicações indesejáveis.
De qualquer forma, independente da sua origem, a raiva pode ser entendida como uma espécie de inflamação do nosso sistema emocional. Assim como alguma parte do nosso corpo físico pode ficar inflamada, especialmente após alguma intervenção cirúrgica ou alguma mudança de hábitos, assim também uma inflamação emocional pode aparecer após ou durante algum processo de mudança psicológica, ou ainda quando atravessamos fases emocionais mais intensas. Como toda inflamação, a raiva requer cuidados e atenção plena em seu tratamento. Sim, a raiva pode ser tratada, ou seja, podemos aprender a lidar com ela de forma menos traumática.
No pensamento oriental a raiva é tida como um dos três venenos da mente humana. Os outros dois são a cobiça e a ignorância. Geralmente o aparecimento de um veneno na mente induz o aparecimento dos outros, de forma que quase sempre podemos identificar uma associação desses três elementos quando estão atuando. O termo veneno significa que essas emoções possuem a capacidade de mudar nosso estado de consciência de tal forma que experimentamos o sofrimento diretamente em nossa existência. Sentimos dor, infortúnio, infelicidade e demais emoções negativas a partir dos três venenos da mente. Não apenas podemos experimentar tudo isso, mas também provocamos sofrimentos nos outros quando nós mesmos estamos envenenados mentalmente.
A boa notícia é que para todo veneno mental existe um antídoto. E ele se chama atenção plena. A atenção plena tem o poder de neutralizar a atuação do veneno e o seu espalhamento por nosso corpo físico, mental e emocional. E assim também não contaminamos os outros ao nosso redor. Mas como poderia a atenção plena neutralizar a raiva?
Quando perceber que um sentimento raivoso está emergindo, está aparecendo dentro de você, quando sentir que sua face está vermelha e a ira começa a despontar, quando sua boca estiver espumando e você perceber que tudo isso começa a aparecer em seu ser, simplesmente tome consciência disso tudo, volte seu olhar interior para tudo isso ocorrendo dentro da sua mente e no seu corpo. Ao invés de tentar bloquear a raiva ou tentar eliminá-la com o uso da força de vontade, simplesmente perceba a tensão muscular que geralmente se forma na face, perceba como a respiração fica ofegante, como a adrenalina corre nas veias, sinta o calor no rosto e a testa já franzida, veja tudo isso com seu olhar interior e imediatamente pense: “um sentimento envenenado de raiva está emergindo em mim agora”. Rotule tudo isso que está ocorrendo com um pensamento claro de constatação interior. Se puder criar um rótulo jocoso para o sentimento, do tipo “lá vem aquela raivinha de cachorro zangado de novo”, melhor ainda. Ao invés de simplesmente se identificar como sentimento de raiva que induz ao pensamento “eu estou com raiva”, e assim se entregar a ele, faça diferente: dê um passo ao lado, constate a ocorrência, rotule e separe-se da raiva. Isso faz toda a diferença, isso tira a energia de qualquer veneno mental.
Não é que você irá sublimar a raiva e jogá-la para o fundo do inconsciente, ou se entregar a ela, mas antes, que a ocorrência dela não implica necessariamente na sua identificação subjetiva com você. Reprimir apenas reforça o veneno, assim como se identificar com ele e levar a cabo sua atuação maléfica. Mas reconhecer seu surgimento é o passo essencial para testemunhar também a sua extinção. A observação cuidadosa e atenciosa dos estados mentais que surgem instante a instante já é uma atitude retificadora que tem o poder de alinhar o nosso material subjetivo de forma mais harmoniosa.
Quando observamos com uma honesta atenção plena, constatamos que a raiva ainda pode emergir em nós, mas isso não implica necessariamente em identificar nosso pensamento, palavras e ações com ela. Ou seja, o veneno existe mas não precisamos beber dele.