Em todo o país, e em todas as
categorias profissionais, as mulheres ganham menos do que os homens. Por quê?
Indicadores sociais
divulgados pelo IBGE em 2009 mostram a discrepância entre a média salarial de
homens e mulheres
Primeiro, as estatísticas. Elas são bem claras: em todo o país, e em
todas as categorias profissionais, as mulheres ganham menos do que os homens. E
não é um pouco menos: considerando-se a média salarial nacional segundo o IBGE,
eles recebem quase 40% a mais que elas (veja quadro). Até mesmo no segmento dos empregados domésticos, que é quase
totalmente feminino, os homens ganham mais. Até mesmo na categoria de
empregadores, em que não há um patrão responsável por definir a remuneração, as
mulheres ficam atrás. Até mesmo no funcionalismo público, em que as vagas têm
seus salários publicados oficialmente antes de serem preenchidas, e a escolha
dos contratados é feita por concurso, o rendimento é menor.
Por quê?
Os caminhos que levam à discrepância são menos claros que os números.
Grosso modo, segundo especialistas, dá para dizer que as escolhas profissionais
femininas são influenciadas por aspectos culturais que acabam afetando, entre
outras coisas, seu rendimento. A ideia de que existem carreiras mais
“femininas” que outras, e a divisão de dedicação entre vida profissional e
maternidade estão entre elas.
“Mesmo com o grau de escolaridade mais alto, a discrepância entre homens
e mulheres no mercado de trabalho seguem elevadas. As mulheres têm o rendimento
menor que os homens e ocupam condições de trabalho não tão adequadas quanto as
deles”, diz Cimar Azeredo gerente de integração da pesquisa mensal de empregos
com a pesquisa nacional por amostras de domicílios do IBGE. “A maior parte dos
dirigentes e gerentes são homens no contexto geral. Os dados mostram que existe
uma participação maior deles nos grupamentos que pagam mais caro”.
É exatamente nos números sobre cargos de dirigentes que fica clara a
existência de uma barreira no avanço feminino. Há uma etapa que as mulheres
simplesmente não transpõem. A diferença no índice de ocupação geral entre
homens e mulheres vem caindo de forma gradativa. Mas nos números de quando essa
ocupação se dá em cargos de chefia (que o IBGE chama oficialmente de
dirigentes), essa tendência não se repete. No topo da pirâmide profissional, a
distância entre eles e elas continua rigorosamente a mesma - 5,6% dos homens
trabalhadores eram dirigentes contra 4,1% das mulheres em 2003; cinco anos
depois, eles subiram para 5,9% e elas para 4,4%. Ou seja, mais trabalhadores
são chefes hoje, mas a diferença entre homens e mulheres não diminuiu um
centímetro neste caso.
“Em média, a mulher tem mais escolaridade que o homem. Mas no mercado de
trabalho, perde na indústria, nos serviços, na área de educação. Ela acaba
perdendo participação até por uma questão cultural mesmo, de os grupamentos que
pagam mais serem mais atrativos para os homens. Por exemplo, engenheiros da
área do petróleo. Quantas mulheres se formaram engenheiras e se interessaram
por essa área? Será que elas não preferiram psicologia?”, questiona Cimar.
A pesquisadora da Fundação Carlos Chagas Cristina Bruschini explica: “Há
diferenças importantes, como uma concentração feminina em determinadas áreas
que não têm tanto prestígio. As mulheres encontram mais dificuldade nos guetos
ocupacionais, ou seja, nas atividades consideradas masculinas, que muitas vezes
são também as que remuneram melhor”. Para ela, as mulheres não se encaminham
para essas áreas menos valorizadas: são encaminhadas. “Elas se sujeitam porque
é uma coisa cultural, de formação de identidade. Na escola, na família,
aprendem que existem tarefas mais femininas e outras mais masculinas. Isso vem
desde cedo, quando, por exemplo, trepar em árvore é coisa de menino e lavar
louça é coisa de menina”.
A questão de formação da identidade ajuda a explicar muitos dados,
inclusive um dos mais intrigantes: por que as mulheres ganham menos mesmo
quando são as responsáveis por sua remuneração, ou seja, quando são
empregadoras? Para os especialistas, é quase sempre uma questão da escolha do
tipo de empreendimento – mulheres tenderiam a abrir negócios também
“femininos”, como salões de beleza. Nada a ver com a qualidade de seu
desempenho na função, portanto.
Carreira x maternidade
Escolher um caminho “feminino”, no entanto, vai além de preferir uma
carreira de humanidades ou uma loja de velas perfumadas. A identidade cultural
aliada a questões bem concretas e cotidianas fazem com que a mulher se sinta
obrigada sim a escolher entre carreira e maternidade. E se por um lado as
opções muitas vezes não são excludentes, por outro quase sempre significam um
limite na dedicação possível a uma ou outra.
Um estudo realizado pelo Dieese em seis regiões metropolitanas
brasileiras mostra que o rendimento da mulher é afetado significativamente se
ela é casada e tem filhos. Para pior. Na região metropolitana de São Paulo, por
exemplo, o estudo aponta que mulheres que vivem sozinhas têm um rendimento
médio de R$ 8,98 por hora, mais do que os R$ 6,91 das que vivem com um
companheiro, mas sem filhos. Quando além de marido elas também têm filhos, o
rendimento cai para R$ 5,89, superior apenas aos das mães que cuidam dos filhos
sem um companheiro: R$ 5,39.
Bruschini acredita que essa tendência se confirma também nas demais
regiões do país. “O que mais conta aí é maternidade e filhos pequenos, não
tanto viver em uma situação conjugal”, diz, reforçando que a “mulher” das
estatísticas é sempre um ente genérico numa colcha de retalhos de
possibilidades. “As mulheres têm noção de que vão ter uma dupla jornada no
futuro. Se terão que fazer as duas coisas, elas já procuram a que exige menos.
Na medicina estão na pediatria e não estão na cirurgia cardíaca, por exemplo. É
meio que uma percepção da realidade”, afirma. Partir do princípio de que se
quiserem ter uma família, não poderão se dedicar de forma integral ao trabalho,
explica a barreira que mantém as mulheres longe dos cargos de gerência.
Apesar de tudo, tem havido um crescimento no mercado de trabalho de
mães. “Mais por uma mudança sensível na identidade feminina mesmo – na
escolaridade, no desejo das que podem desejar. As mulheres não querem ficar
mais no espaço doméstico”, acredita Bruschini. Para ela, a conciliação entre
família e carreira pode ganhar força com investimentos em duas esferas: pública
e doméstica. “Investir infinitamente em creches e escolas em tempo integral,
com horários compatíveis com os das trabalhadoras. E investindo em campanhas
para incentivar os companheiros nos cuidados das crianças. Ou seja, não só
cumprindo a legislação, mas também ampliando”.
Discriminação
A história do patrão que oferece um contra-cheque mutilado a suas
funcionárias pode não ser a regra, mas não significa que não exista. “Essa
diferença não deve ser só preconceito a essas alturas do século 21, embora
tenha um restinho que seja”, admite Bruschini. Partilhando a mesma tese, a
senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) propôs um projeto de lei que leva para até
vinte vezes o salário da trabalhadora a multa administrativa aplicável a empregadores
que pagarem valores diferentes para uma mesma função. “Quando Obama assumiu e
anunciou que ia mandar uma lei para o Congresso garantindo igualdade salarial
entre homens e mulheres, causou um frisson no planeta. Então lembrei que nossa
legislação já prevê esse tratamento igualitário às mulheres, mas precisava de
reforço”, afirma a senadora.
O projeto está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça do
Senado e recebeu em dezembro o apoio e um acréscimo da ministra Nilcéa Freire,
da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. “Este ano nossa grande
expectativa é a aprovação no Congresso Nacional da Lei da Igualdade no mundo do
trabalho”, afirma a ministra. “Nós esperamos
fazer audiências públicas em todo o Brasil discutindo essas questões, porque as
condições que as mulheres se encontram no mercado de trabalho ainda embutem uma
série de discriminações, inclusive do ponto de vista remuneratório e de
direitos”.
A senadora não acredita que uma lei mais rígida possa acabar tendo o
efeito contrário, ou seja, que empregadores possam evitar contratar mulheres
com medo de processos. “Já foi o tempo em que a gente ficava retraído e com
medo. Pode ter um caso ou dois, mas acredito que não”, diz Serys. “Se não vão
pelo amor, vamos pela dor”.