O "personal friend" é só um dos
produtos e serviços disponíveis para quem vive sozinho. Segundo a Síntese de
Indicadores Sociais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
divulgada em 2015, esse grupo já soma quase 70 milhões de pessoas. Trata-se de
um número 30% maior do que na década anterior, mostrando que o Brasil segue uma
tendência mundial, vivida sobretudo pelos países mais desenvolvidos.
Em 2016, o Canadá atingiu pela primeira vez em
sua história um número maior de casas com uma só pessoa do que qualquer outro
tipo de habitação. Segundo dados daquele ano, 28,2% dos domicílios tinham
apenas um morador no país. Ainda assim, a porcentagem é significativamente...
PRODUTO SOLIDÃO
Além do amigo de aluguel, há uma variedade
enorme de opções para atender a essa turma. Segundo o Sindicato da Habitação de
São Paulo, a capital paulista teve em 2018 um crescimento de 91% nos
lançamentos de unidades residenciais com até 45 metros quadrados. Em 2017,
42,6% dos imóveis lançados tinham esse tamanho. Nesses ninhos de um pássaro só,
dá para fazer de tudo sem colocar o pé para fora da porta ou estabelecer
vínculo com ninguém. Graças, principalmente, à tecnologia. Os aplicativos, por
exemplo, incrementaram os serviços de entrega em domicílio. Hoje é possível ir
ao supermercado, à farmácia, à papelaria e até sacar dinheiro sem colocar o pé
para fora da porta de casa. O silêncio incomoda? Na internet, há áudios de
horas ininterruptas com o som de pessoas conversando, como se estivesse
acontecendo uma festa em sua casa. Isso sem falar no mundo do sexo virtual, que
garante até a experiência de estar dentro de uma casa de swing ou coisa do tipo.
O Japão, onde imóveis minúsculos e códigos
rígidos de convívio fazem parte da cultura, o atendimento a esse público chegou
ao extremo. Lá, estão se popularizando os "cuddle cafes", locais onde
é possível pagar para dormir de conchinha. Em 2012, foi inaugurado o primeiro,
no distrito de Akihabara, em Tóquio, chamado Soineya, que literalmente significa
"dormir juntos". Os clientes, todos homens, precisam pagar uma taxa
para entrar no estabelecimento. Os preços variam de acordo com o tempo gasto
com o serviço: entre US$ 40 para vinte minutos, e US$ 645 para uma noite
completa de 10 horas. Para quem deseja ainda mais calor humano, há pacotes
opcionais que incluem itens como troca de olhares. Inspirados na experiência
oriental, empresários de Nova York e Portland, nos Estados Unidos, e Vancouver,
no Canadá, estão abrindo negócios semelhantes, porém para atender também as
mulheres.
O surgimento de tantos produtos para este,
digamos, mercado da solidão, levanta algumas questões: estar só é uma escolha,
uma busca do sujeito pós-moderno, ou uma condição imposta pela vida
contemporânea, marcada pela fragilidade dos laços afetivos? Existe uma dose
segura e aconselhável de solidão? O historiador Leandro Karnal publicou em 2018
um livro com discussões semelhantes: "O dilema do porco espinho - como
encarar a solidão" (Ed. Planeta)
Já na introdução, ele nos expõe o paradoxo por
meio da metáfora do porco-espinho, usada pela primeira vez pelo filósofo Arthur
Schopenhauer: assim como aquele animal, precisamos nos unir para nos proteger
do frio. A proximidade, no entanto, espeta, machuca. E, então, nos afastamos. A
vida moderna, onde quase tudo é possível, impõe o dilema: "Quero estar
sozinho, quero companhia e gostaria de controlar esses dois momentos de acordo
com minha vontade. Não é possível. A busca do equilíbrio tem sido um desafio
constante para estimular casamentos e divórcios.
A SOLIDÃO COMO DOENÇA
A busca
pelo equilíbrio entre a liberdade de estar só e o convívio saudável com outras
pessoas parece estar desbalanceada. A solidão extrema é, sim, considerada um
mal moderno e tem sido tratada como epidemia em alguns países. No início do ano
passado, o Reino Unido, por exemplo, anunciou a criação do Ministério da
Solidão. Naquele país, a preocupação é principalmente com os idosos, mas
acomete cerca de nove milhões de indivíduos de idades variadas.
"Para muitas pessoas, a solidão é a
triste realidade da vida moderna", disse a primeira-ministra Theresa May,
ao anunciar a medida. "Quero enfrentar esse desafio pela nossa sociedade e
para que todos nós possamos agir para combater a solidão enfrentada pelos mais
velhos, pelos cuidadores, por aqueles que perderam seus entes amados - pessoas
que não têm ninguém para conversar ou compartilhar seus pensamentos e experiências".
A apreensão inglesa tem justificativa. A
solidão está na origem de uma série de patologias. "Causa irritação,
isolamento, depressão e está associada a um aumento de 26% do risco de morte
prematura", alerta o especialista no assunto John Cacioppo em artigo
publicado recentemente na revista científica "The Lancet".
"Solidão é uma condição particular na qual um indivíduo se percebe
socialmente isolado mesmo quando está entre outras pessoas.
Sem ninguém por perto com quem contar,
adoecemos porque andamos na contramão de nossa essência. Ficar muito só está
para a alma assim como a falta de água está para a pele. Bebês não comem se não
forem alimentados, não se locomovem se não forem transportados.
Nossa fisiologia é feita para buscar o
convívio. O simples toque, como carícia, libera ocitocina (o chamado
"hormônio do amor", do acolhimento, que promove calma e bem-estar). O
olho no olho também deflagra uma cascata de reações químicas, em geral benéficas.
Em sua obra "O Ser e o Nada", o filósofo francês Jean Paul-Sartre,
marido de Simone de Beauvoir, discorre sobre o processo de identidade em que o
sujeito se descobre como indivíduo. Segundo ele, isso só acontece na presença
(ou na experiência) do outro. Sobre isso, escreveu: "O Outro é mediador
indispensável entre mim e mim mesmo (...) Reconheço que sou como o Outro me vê.
O CONVÍVIO COMO INCÔMODO
É de Sartre também a célebre frase: "O
inferno são os outros". Ora, como o mesmo pensador discorre sobre a
importância do outro para o indivíduo e diz que ele é seu inferno? Na verdade,
as afirmações são complementares e fazem parte da teoria existencialista do
francês. O que ele quer dizer é que, ao convivermos, enxergamos no interlocutor
aquilo que somos e também o que não somos. O outro nos tira da ignorância sobre
nós e nos impõe um problema. Ele nos tolhe a liberdade, cria limites sociais. A
vergonha, por exemplo, só existe quando não estamos sozinhos.
Ou seja, se por um lado a solidão nos é fatal,
a vida em comum nem sempre é pacífica. Viver junto requer concessões. É preciso
abrir mão de vontades, de desejos pessoais em nome do outro sem deixar de
reivindicar seu próprio espaço, proteger-se dos espinhos. Cansa, dá trabalho,
desmotiva muitas vezes. Ao mesmo tempo, foi-se a época em que casar e formar
família eram sinônimos de felicidade ou sucesso pessoal. Hoje em dia, já é
aceitável a escolha pela vida de solteiro em que as ambições sejam variadas e
nada tenham a ver com família - uma carreira de sucesso, viagens, busca por
transcendência espiritual, entre outras possibilidades. Viver só é uma facilidade.
"Em nosso mundo de furiosa 'individualização', os relacionamentos são
bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar
quando um se transforma no outro",
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